O Coletivo Direito de Resistência vem por meio desta nota expor sua análise crítica do “Estatuto da Juventude”, recentemente aprovado. Vamos nos pautar aqui pelas bandeiras mais comuns e de maior acúmulo do Movimento Estudantil como um todo para a juventude, sem, contudo, ter a pretensão de esgotar o tema.
Primeiramente, cabe ressaltar que o Estatuto, de forma geral, como promoção de direitos de um grupo particular da sociedade é positivo e bem-vindo. Por outro lado, não podemos nos furtar de questionar o seu teor e também o enfrentamento prático das principais demandas impulsionadas pela juventude ao longo dos anos e, sobretudo, no contexto de manifestações em que esta foi protagonista.
No tocante à Educação, não encontramos nenhum avanço quanto as duas pautas recorrentes, o 10% do PIB para a educação e a garantia de um ensino público e gratuito de qualidade em todos os níveis. O artigo 8º, por exemplo, reafirma o ensino superior privado - “O jovem tem direito à educação superior, em instituições públicas ou privadas, com variados graus de abrangência do saber ou especialização do conhecimento, observadas as regras de acesso de cada instituição”. Entendemos que, com o aumento do investimento em educação e o atendimento dos 10% do PIB para educação, seria perfeitamente possível universalizar o acesso ao ensino superior público, gratuito e de qualidade. Porém, vemos atualmente o governo investir na ocupação de vagas ociosas no ensino superior privado como forma de universalizar o ensino superior, além de incentivar a proliferação do mesmo. Segundo o Censo da Educação Superior (INEP, 2010), entre 2003 e 2009, a rede pública cresceu 18,9%; a rede privada, que já era maioria, cresceu 36,9%. Ou seja, o dobro. Essa constatação é preocupante porque, em 2001, as IES privadas já correspondiam a 68,9% das matrículas no ensino superior. Em 2010, essa participação chegou a 74,2%.
Esse quadro revela, ainda que de forma não definitiva, uma privatização forte do ensino superior e a qualificação da Educação não como direito, mas como mercadoria. Assim, lamentamos que no Estatuto não haja sequer uma menção da universalização do ensino superior público como objetivo a ser alcançado no que concerne a Educação.
No que se refere à Cultura, o Estatuto possui erros graves, tais como a limitação de 40% do benefício da meia-entrada para estudantes e a emissão de carteiras de identificação estudantil “preferencialmente” pela UNE/UBES, o que constitui um sinal de retorno ao monopólio das carteirinhas. Aqui repudiamos a posição de parte da UNE que sempre defendeu a limitação da meia-entrada e agora muda seu discurso, sem ao menos fazer uma auto-crítica, em uma manifestação, no mínimo, questionável de parte desta entidade. Entendemos que a aprovação do estatuto sem o veto às citadas medidas constituem um ataque ao que sempre foi defendido pelo conjunto do movimento estudantil. Quanto ao direito à mobilidade e ao transporte, encontramos um absoluto silêncio ao principal tema levantado pela juventude nas manifestações que inundaram todo o país: o passe livre. A única medida que avançava na garantia da meia-entrada no transporte interestadual foi vetada por Dilma. O passe livre significaria um importante instrumento de democratização e de assistência estudantil, já que grande parte dos gastos dos estudantes derivam dos transportes.
Sobre o direito à saúde, é importante ressaltar o artigo 20, inciso I “acesso universal e gratuito ao Sistema Único de Saúde - SUS e a serviços de saúde humanizados e de qualidade, que respeitem as especificidades do jovem ” pela reafirmação do SUS, porém, sabemos que o SUS necessita de investimentos e que tal medida deveria vir acompanhada por outra bandeira do movimento estudantil, que são os 6%, ao menos, do PIB para a saúde.
Por fim, sobre a segurança e acesso à justiça, o Estatuto não apresenta ferramentas para uma resposta prática ao elevado número de homicídios da população jovem, sobretudo, negra. Segundo estudo Mapa da Violência 2013, Homicídios e Juventude no Brasil em 2011 53,4% do jovens tiveram como causa da morte o homicídio, o número de vítimas brancas caiu de 18.867 em 2002 para 13.895 em 2011, o que representou um significativo decréscimo: 26,4% . Já as vítimas negras, cresceram de 26.952 para 35.297 no mesmo período, isto é, um aumento de 30,6%%. Entendemos que um dos fatores que explica essa diferença na proporção de vitimização de brancos e negros é a política proibicionista, a chamada “guerra às drogas”, que acentua o racismo, penaliza a pobreza e áreas periféricas, ainda mais quando atrelada à atuação da polícia, sobretudo, a militar, nesse enfrentamento, exemplificado nas recentes mortes na Maré. Por isso, defendemos o fim do proibicionismo, indiretamente reafirmadas no estatuto, e a desmilitarização da polícia.
Concluímos, então, que o Estatuto da Juventude não é uma vitória das lutas do movimento estudantil, pois não abarca muita de suas bandeiras e apresenta retrocesso em alguns pontos. Reafirmamos a solidariedade e participação na continuidade da luta da juventude que mostrou sua capacidade combativa, quando atua independentemente de trocas políticas e antenada às demandas dos estudantes e da sociedade como um todo.